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Imagem ficcionada para ilustração |
Em 1814, na freguesia de Vila Cova, Anna Maria Lopes deu à luz um filho gerado por
António Joaquim Queijo, homem de má reputação, que haveria de transformar o seu
primogénito, Manuel Joaquim Lopes Queijo, em um dos mais temerários bandidos da
região.
Desde cedo, com a cumplicidade de seu pai, o jovem Manuel
preteriu a sua profissão de sapateiro para enveredar pelo caminho do
banditismo, cometendo os mais diversos crimes: roubou, extorquiu, ameaçou,
feriu e matou pessoas indefesas da região.
“Ele era o terror dos
povos de Basto, pois chegava a qualquer e lhe dizia – Sr. Fulano, a mim dão-me
6 moedas para o matar, e eu não as posso perder, que tenho mulher e filhos – E
não havia remédio senão dar-lhe as 6 moedas, com seus devidos agradecimentos!”
Com 24 anos de idade, em 1838, Manuel Queijo acumulava
inúmeros crimes, entre os quais dois homicídios.
Com a “cabeça a prémio”, o sapateiro salteador acabou por ser
capturado e entregue ao implacável poder judicial do século XIX.
Ao tempo da prisão, Queijo tinha residência no lugar da
Boucinha, freguesia de Arnóia, Julgado de Celorico de Basto, Comarca de Fafe.
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Antiga Cadeia da Relação do Porto Reprodução de postal ilustrado em inícios do Sec. XX |
Em 6 de Junho de 1838, respondeu perante o Juízo Criminal no
Julgado de Celorico de Basto, presidido pelo Juiz de Direito da Comarca de
Fafe.
Acusado pelo Ministério Público, foram provados os crimes
seguintes:
- Ferimento de Manuel Matheus, na noite de 18 de Março de
1836.
- Morte do proprietário octogenário, Manuel Joaquim da Motta,
da Quinta do Alvão, na noite de 15 para 16 de Dezembro de 1836.
- Morte do tendeiro, António Teixeira, na freguesia de
Pinheiro, em 9 de Junho de 1837.
- Ameaças com armas e extorsões de dinheiro.
A Manuel Lopes Queijo foi-lhe aplicada a pena capital, morte
por enforcamento.
Apesar de “reclamar” para a Relação do Porto, a sentença
foi-lhe confirmada em acórdão datado de 15 de Novembro de 1839.
Não satisfeito, Queijo recorreu ao Supremo Tribunal que
manteve a sentença, após ouvir o Concelho de Ministros.
O jovem homicida tinha os dias contados. Seria enforcado em
praça pública na Vila de Freixieiro de Basto.
As autoridades providenciaram, sem demoras, o complexo
aparato para a execução do condenado Lopes Queijo.
O periódico “O ECCO”, fonte única deste trabalho, relata os
acontecimentos ao pormenor:
“…O Ministério Público
julgou que a clemencia da Soberana não deveria ter lugar e S. M. não usou do
Poder Moderador, e, confirmando a sentença a mandou executar, e foi para este
fim que tinham chegado no Vapor Vezuvio os 2 carrascos, Simões e Ramos.
Estavam todas as
medidas tomadas para a execução ter lugar na freguesia de Freixieiro de Basto,
e já o Regimento 18 tinha saído de Guimarães para o lugar da execução, e de
Braga 105 homens do 15. E quando parecia que todos os recursos estavam
esgotados é que aparece um Poder novo, e que o homem é salvo!
Às duas horas da noite
se apresenta nas Cadeias da Relação o Capitão J.M. de Cavalaria 6, comandante
da força que deveria acompanhar o réu ao lugar da execução. Chegaram depois
destacamentos de 18, de Artilharia, de Cavalaria, além da guarda principal, que
era de 28. Parece que toda a força seria de 60 praças. O Capitão é chamado ao
escritório do Carcereiro para passar o recibo, ele passou, não só do réu como
dos dois algozes, e com este recibo terminou a responsabilidade do Carcereiro,
que fez entrega dos 3 [homens].
Todos 3 estavam soltos,
o Capitão obrigou o Oficial de Diligencias a algemar os 2 algozes, e querendo
que o réu fosse algemado, diz-se que o dito Oficial de diligências respondera,
lá em baixo será algemado depois de montado!
Seja porem como for, é
certo que ele desceu solto, e, no meio de uma escolta, é que chegando à loja,
enquanto lhe preparavam os arreios da cavalgadura, tendo-lhe sua mulher falado
ao ouvido, ele deu dois pulos, lança por terra um soldado, e foge pela porta
fora, à vista da força que ali estava postada!
Consta que toda ou
parte da força correu em cima dele, sendo ainda escuro o perderam de vista!!
O Capitão correu logo à
ponte, e dizendo-lhe o vigia que nenhum homem ali tinha passado, deu ordens
para ser preso todo que ali passasse. As mais exactas ordens foram dadas logo
às patrulhas Municipais que andavam rondando. Tudo isto e o mais que se fez foi
inútil pois o réu sumiu-se perfeitamente, e não há uma só testemunha que visse
a direcção que ele levou. O réu foi mais hábil em prestigios que Mr. Leroux. “
Esta alegada inabilidade das forças responsáveis pela
transladação de Manuel Queijo provocou reacções diversas na opinião pública
portuense.
Enquanto uns criticavam negativamente a competência das
autoridades implicadas, outros acharam que o réu estava no seu direito de
tentar fugir à morte agendada.
“Consta geralmente,
nesta cidade, que o réu, no momento da fuga se dirigiu pela rua das Taipas
abaixo, atravessara a rua de S. Miguel, com intenção de se dirigir pelas
escadas da Esmoga, porem sentindo passos, saltou para um quintal que há junto
da igreja da Victória. E ali estivera todo esse dia e noite, e dali se dirigiu
ao Carregal, onde dormiu duas noites”.
A fuga do condenado Manuel Queijo não durou muito tempo. Ao
fim de escassos dias, foi recapturado pela Polícia de S. Clemente de Basto, no
lugar de Gandarela, disfarçado, fazendo-se acompanhar de um almocreve.
O réu entrou na cadeia de Basto, às 2 horas, do dia 3 de
Julho de 1840.
Aproximava-se, a passos largos, o fim da vida de Manuel
Joaquim Lopes Queijo, um homem de estatura normal, rosto comprido, olhos
castanhos, cabelo e barba preto.
Um jovem de 26 anos que espalhou o mal, acabando por sofrer a
mão dura de uma justiça ainda com fortes reminiscências medievais, que não
tinha pudor em torturar quem magoasse e matar quem tivesse assassinado.
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Aspecto da freguesia de Freixieiro de Basto, onde teve lugar a execução Gravura do século XIX "O Minho Pittoresco) |
O DISCURSO DO CONDENADO
Pouco antes de subir à forca, António Queijo pediu a presença
do escrivão Domingos Marinho da Silva, e, pelo seu punho, escreveu as suas últimas
palavras que proferiu, em voz alta, sentado no último degrau da escada do
patíbulo da morte:
“Meus Senhores!
É chegado o triste
momento em que meus crimes vão ser castigados com a minha própria vida, neste
patíbulo, recompensa bem justa de meus execrandos atentados. Sabei pois todos
que foi a causa de tudo isto a má educação e mau exemplo que meu pai me deu,
assim como as más companhias a que me juntei.
Se meus pais me dessem
a devida educação, e não me poupassem o castigo que tantas vezes merecia, eu
não chegava a ser bombeado nesta forca, na curta idade de 26 anos.
Olhai, olhai para mim,
irmãos meus, e vós pais de famílias, abraçai este triste exemplo para que de
hoje em diante deis educação a vossos filhos.
Nunca poupeis o devido
castigo.
A execução da minha
morte tem sido causa de se derramar muitas despesas no concelho, por isso, peço
perdão pelo amor de Deus a todos os habitantes deste concelho. Peço perdão às
autoridades pelo trabalho que tiveram; à tropa, pela fadiga das suas jornadas,
aos padres que com tanto zelo ganharam a minha alma para Deus, e, sobretudo,
peço perdão a Manuel Joaquim da Motta do Bau, a quem por acaso matei. Por isso
não imputem esta morte a seu filho Francisco, nem a sua mulher, pois que
nenhuma parte nela tivera… só eu fui o culpado.
Finalmente, rogo a
todos que se acham presentes, que rezem um Padre Nosso à morte de Nosso Senhor
Jesus Cristo, para que me dê a sua graça e força para sofrer com paciência esta
morte.
Além disto me lembro
que fiz outra morte, e por isso peço perdão a todos os parentes daquele que eu
matei.
Com a minha vida,
causei muitos escândalos e por isso peço perdão a todos a quem ofendi, e de
todos os roubos que fiz, era minha vontade pagar, mas não posso, peço perdão.
Finalmente perdoai-me
senhores, perdoai-me todos e rezai à Virgem Nossa Senhora uma Salve Rainha,
para que me acuda nesta hora, e, se puderdes, ouvir pela minha alma uma
missinha, Deus vos corresponderá.”
Manuel Joaquim Lopes
Queijo
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Até 1846 estes "espectáculos" eram frequentes nos centros de vilas e cidades de Portugal |
Na Praça de Freixieiro,
ao início da tarde de 11 de Julho de 1840, perante uma multidão “silenciosa e
recatada”, calculada em cerca de 3.000 pessoas, do Concelho de Celorico de
Basto e terras vizinhas, Manuel Joaquim Lopes Queijo foi enforcado, decapitado,
ficando a cabeça exposta num pau espetado no solo.
Haveriam de passar alguns anos até ser feita a ultima
execução em Portugal, que teve lugar em Lagos, no dia 22 de Abril de 1846.
A pena de
morte, em território português, para crimes civis, foi finalmente abolida em 1
de Julho de 1867, durante o reinado de D. Luis.
O Código de
Justiça Militar, em Portugal, manteve a pena capital até 1976, passados dois
anos da “Revolução dos Cravos”.
Jesus Martinho
FONTE: “O ECCO”, Jornal
Critico, Literario e Politico
Nota: As transcrições foram
adaptadas na grafia e na pontuação.