Desenho publicado na "Illustração Portuguesa", 1904
(Apenas para ilustrar)
«A PASCHOA NA
ALDEIA
Domingo de
Paschoa! Que tropel de recordações suavíssimas não desperta este dia a quem, no
meio d’innocentes folguedos, sentiu correrem-lhe no campo os dias da meninice!
Ainda hoje
me encanta os ouvidos, coando-me n’alma uma alegria bem doce a toada festival
dos sinos «repicando a alleluia»!
E que
coração tão de gelo ou tão requeimado pelo tufão da desdita, ao qual não causem
grato estremecimento, as vozes amigas do campanário d’aldeia?...
Se ha ahi
algem que fique impassível, não são por certo os pequenos camponezes; pois já
desde as vesperas esfervilhão, riem e
saltam ao lembrarem-se que breve irão beijar a mão da madrinha, recebendo a
bênção e o appetecido folar.
E ella – a
madrinha em pé na soleira da porta, ao vel-os partir tão contentes, agitando no
ar as pequenas «regueifas», sentem irradiar-lhe do coração ao rosto um reflexo
de serena alegria, adejando-lhe aos lábios um sorriso que parece dizer : -
Pobres creanças! São curtos os vossos desejos, é facil a vossa felicidade!
Mas neste
dia abençoado nem só os pequenos se alvoroçam. Na aldeia é tudo azáfama.
Especialmente nas raparigas, que actividade!
Umas espanam
os moveis e as paredes; outras tapetam de rosmaninho e rosas desfolhadas o
pavimento da casa; estas põem toda a sua sciencia e cuidado em armar a meza do
estylo que já se acha coberta de toalha alvíssima circundada de bellas
florinhas do monte, sobresahindo ao centro um pomo coroado por uma moeda ou por
um lindo ramalhete (e neste quanto esmero! Pois é de costume ser offerecido ao
senhor abbade, que nunca deixa de mostral-o aos circunstantes, elogiando o
aprimorado da obra;) aquelles, emfim, andam n’um rodopio procurando no quintal
flores, para formarem ramos.
A contrastar
com tanto movimento lá está um velho de cans veneráveis, levemente encrespadas
pela aragem, sentado no trono d’um carvalho, a meditar… (quem sabe?...) talvez
nas paschoas do seu tempo…
Mas eis que
o sino repica.
Como por
encanto cessa um momento todo o bolicio.
E’ o «Compasso» que sahe.
Tudo corre
ao montículo mais proximo.
- Elles lá
vêem, lá vem o «Compasso»! – exclamam, todas as vozes: desçamos, desçamos, que
não tardam ahi comnosco.
N’um
instante eil-os em casa. E toda a pressa foi necessária; pois já se ouve bem
distincto o som da campainha.
Chegou.
Que luzida
comitiva!
Que rostos
tão alegres! N’estes dias! Não lembram questiúnculas, nem falam resentimentos;
todos se dão as mãos, todos se abraçam: assim o quer o velho pastor, que os
segue, santo homem que traz no coração impresso o Evangelho e no semblante
estampado o coração.
Deixemol-os
entrar e fiquemos nós cá fora de baixo d’uma ramada, a escutar aquella especie
de quasi balbúrdia que lá vae dentro.
Quem nos
attenderia?... Resignemo-nos a perder o copo de vinho genuíno e a fatia de «pão
de ló» a que em taes acasiões ninguem póde esquivar-se, e ouçamos.
Que
animação!...
Estes pedem
ramos, aquelles, folares; agora e a dona da casa a recomendar ao bom do parocho
que deite muita agua benta nas raparigas, e logo são estas que seescondem
rindo!
Este arrasta
uma cadeira, aquelle deita para a cesta alguns ovos que estão na meza
destinados ao Pastor, este ri, aquella zombeteia; e o santo parocho para todos
fala, a todos anima, a todos dá o exemplo d’uma jovialidade inoffensiva.
E tão
entretidos estão que quasi se esqueceram de que a parochia não finda alli.
Enfim meus
senhores, é forçoso sahir; outros vos esperam anciosos, os ricos nas suas
salas, os pobres nos seus casebres,
Ide, ide! A
todos as boas-festas, a bênção a todas as casas!...»
Transcrição
do jornal ‘O Jornal de Fafe’, 1910
Autor
desconhecido
Sem comentários:
Enviar um comentário