16 de maio de 2013

PROVINCIANISMO... NÃO OBRIGADO



(MAIS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS “IV JORNADAS LITERÁRIAS DE FAFE”)

No último número deste semanário foi publicado um artigo de opinião onde se apresentam alguns juízos menos positivos relativamente ao projeto “Jornadas Literárias de Fafe”. Partindo desse texto de Diogo Vasconcelos (aparentemente, o nome que dá voz aos pensamentos expostos) gostaria de dizer que, ainda bem, não pensamos todos da mesma forma. Aí está uma das riquezas da condição humana. Gostaria, contudo, de tecer mais algumas considerações.

Num primeiro momento, devo referir que o que aqui vou dizer apenas me compromete a mim, enquanto pessoa. Não obstante, não seria totalmente honesto se não dissesse que também me pronuncio com a propriedade de quem pertence à comissão organizadora deste evento – que abracei de corpo e alma desde a primeira hora, em março de 2010 –, mas igualmente de quem muito tem dado de si para que as coisas possam ser aquilo a que todos têm tido oportunidade de assistir. De facto, trata-se de um projeto coletivo que tem merecido a entrega e dedicação de uma equipa multidisciplinar que não regateia meios nem esforços para elevar o nome de Fafe, da sua cultura e das suas tradições ao nível a que muitos acham que tem direito. A soma de tudo o que todos têm tido a vontade, a sorte e o engenho de saber fazer é que tem dado a moldura a um projeto a que ninguém, hoje, em Fafe, fica indiferente. E esta é a primeira vez que escrevo publicamente sobre este assunto. Não porque não tenha muito para dizer mas porque procuro colocar bom senso e sensatez em tudo o que faço e sobretudo porque entendo que quando existem responsabilidades assumidas, falar demais, pode não acrescentar nada de novo, mas antes pelo contrário criar potenciais focos de dispersão perfeitamente desnecessários. Também sei falar por metáforas, se assim o entender, mas defendo que as coisas se devem dizer às pessoas certas e no momento certo. É assim que eu sou. Agora, também me parece que anda por aí muito jornalista, articulista, comentarista e outros que, ou são daltónicos ou não estão a ver bem. É pena, porque alguns são de facto opinionmakers locais…



Quanto ao Diogo Vasconcelos, a verdade é que me parece que anda um pouco desinformado da realidade do que verdadeiramente tem sido o projeto “Jornadas Literárias”. A organização não promoveu apenas vinte e cinco eventos, não senhor! Do dia 19 ao dia 28 de maio foram desenvolvidos, por todo o concelho, cento e vinte e mais alguns eventos, nas escolas, nas livrarias, nas bibliotecas, nas associações, e nas diversas e algumas belíssimas salas de espetáculos que Fafe tem, e, na sua quase totalidade ligados à componente literária. Estamo-nos a referir a lançamentos e apresentações de livros, palestras, sessões de leitura e declamação e poesia (algumas em línguas estrangeiras), olimpíadas da leitura, dramatizações, peças de teatro (até em língua inglesa), exposições, encontros com escritores, construção de textos individuais e colectivos e até de peças de teatro, workshops, feiras de livros, lançamentos de revistas, pesquisas (obras, textos, autores, lendas, …), explorações de obras literárias, celebração do Dia Mundial do Livro,… Mas estamo-nos igualmente a referir aos autores tratados e que vão desde o Ubaldo Ribeiro (que muito fizemos para trazer a Fafe e que por motivos de idade e de saúde não se pode deslocar a Portugal, como estava previsto), mas também a Luís de Camões, Gil Vicente, João Manuel Ribeiro, João Tordo, Julie Hodgson, Papiniano Carlos, Richard Towers, Maria Isabel Pinto Bastos, Joaquim Barbosa, …, e todos os outros da nossa praça, esses já mais conhecidos para muitos de nós . Associar o projeto a um fim de semana (a todos os títulos memorável, no mínimo), e sobre o qual nos iremos já pronunciar, é, no mínimo redutor. Parece-nos que foi esta a perspetiva do Diogo Vasconcelos. 

Agora, o projeto “Jornadas Literárias de Fafe” é um projeto cultural, sem qualquer dúvida! E a verdade é que esta também tem sido a discussão no seio da comissão organizadora. Mas é, pelo menos até hoje, comprovadamente um projeto cultural ligado a uma matriz literária muito acentuada. E disso, a comissão não tem dúvidas. Até o grandioso evento inaugural “Mala de Cartão” tinha uma história representada que atava todas as pontas e à volta da qual se contextualizam todas as coreografias representadas em palco. Foi assim neste espetáculo como em todos os outros apresentados ao público nas versões anteriores. Agora, é preciso estar atento! E, quanto ao futuro… logo se vê!



Mas o que me traz a esta exposição não é a discussão legítima à volta de opiniões diferentes. Essa é positiva, como disse! Considero-me filho de gente boa, e disso não tenho a menor dúvida, e como filho de gente boa, também acredito que verdadeiramente “só não se sente quem não é filho de boa gente”. Escrevia o Diogo Vasconcelos, com enorme propriedade (!), que “As Jornadas, que poderiam ser para Fafe um momento de forte afirmação cultural, revelam-se na verdade, modelo de perfeito provincianismo”, acrescentando o lamento pelo apoio a “iniciativas deste género”. Com enorme orgulho, sou provinciano, sim! Provinciano no sentido em que sinto perfeitamente identificado com muitas coisas boas que existem nas aldeias e que se têm vindo a perder nesta sociedade que não olha a meios para atingir fins; provinciano no sentido em que me preocupo com o bem-estar do meu vizinho, no sentido do apoio ao próximo, no sentido da partilha, enfim… no sentido em que vivo numa aldeia de nome Fafe. Mas considero-me um provinciano viajado e cosmopolita! Não sou provinciano no sentido que o Diogo lhe quer dar. Esse sentido, meu amigo, esse sentido é pejorativo; esse sentido é mau e a verdade é que essa crítica é, no mínimo, muito mas mesmo muito infeliz. O que aconteceu no fim de semana “Fafe dos Brasileiros” é tudo menos ridículo ou ingénuo e muito menos merece escárnio. Provinciano é aceitar tudo o que vem de lá de fora como excelente e ter vergonha do que verdadeiramente se é! Provinciano é pensar que ser moderno é renegar as raízes e não assumir aquilo que somos! 


Provavelmente, ser moderno é jogar playstation e navegar na net. Provavelmente, ser moderno é curtir arte vanguardista contemporânea sem perceber que ela está condicionada pelas raízes que cada artista possa ter. O que pensar quando vemos o Príncipe de Gales e herdeiro dos tronos do Reino Unido e de mais de uma dúzia de reinos da Comunidade Britânica de kilt, à caça ao javali nos arredores do Castelo de Windsor!? Afinal, trata-se de uma saia! Que pensar quando vemos os franceses a comemorar na rua, a dançar e a cantar de forma tão efusiva, ainda hoje, a tomada da Bastilha e a Revolução civilizacional que ela permitiu!? E os americanos com o 4 de julho!? E as Sevilhanas a cantar e a dançar!? E o tango flamenco da Andaluzia!? E as danças indígenas do Brasil ou tribais de Africa ou ainda índias na América do Norte!? Provavelmente aqui vemo-las como património nacional ou até mundial. Afinal, é estrangeiro!





Enfim, o que eu pretendo deixar claro é que, queiramos ou não, parte da riqueza cultural de Fafe reside naquilo que se viu ao longo das Jornadas Literárias e principalmente desse grandioso evento do fim de semana de 26, 27 e 28 de maio. Não, não sou dos que pensam que a cultura produzida em Fafe se esgota aí! Mas a verdade é que a qualidade de muitas das manifestações apresentadas superou, de longe, o que aconteceu na edição anterior das Jornadas. Temos grupos, que, e desde que devidamente apoiados, são capazes de produzir espetáculos do mais erudito que há. Neste sentido da versatilidade cultural, até acho que Fafe é uma cidade moderna. Haja oportunidades! Agora a cultura não tem que ser compartimentarizada, obrigatoriamente, de forma estanque. Quanto à mostra etnográfica “A memória e a gente” propriamente dita, nela foram retratados temas muito caros à população do nosso concelho: a memória operária, a lenda do Penedo de Penouta, o ciclo do azeite e do vinho, o circuito da lã, da madeira e da palha, o fabrico das tachas e a sua importância na economia do início do século, …. Riquíssimo, convenhamos! Está claro que não foi apenas povo a divertir-se. Foi a alma desse povo que, de forma genuína, logo autêntica, veio mostrar o que é ser de Fafe e o que de bom existe em Fafe…, o verdadeiro património de Fafe. Pobreza, meu amigo, não está nas recriações apresentadas mas na leitura que delas conseguimos retirar.




E a verdade é que, entre nós, organização, existe a perceção de que este projeto poderia ter muito para dar a Fafe… Houvesse entendimento por parte de muitas entidades competentes para que tal pudesse acontecer! Sem receios de mexer, de procurar, de ouvir, de trabalhar, de partilhar, de apreciar, de construir e reconstruir, caso fosse necessário. “Fafe dos Brasileiros” tem estas potencialidades culturais mas igualmente turísticas e até económicas. Claro está que não é um grupo de amigos, que por muita boa vontade que possam ter, consegue este feito! Seria necessário um trabalho muito mais abrangente, profícuo e até profissional, envolvendo as tais partes que, com propriedade, têm voto na matéria. E a verdade é que estas partes têm rostos. Refiro-me às instituições e coletividades culturais mais representativas do concelho, aos museus, às escolas interessadas, à 
Câmara Municipal, logicamente, até aos agentes culturais e turísticos privados. Refiro-me ainda à Associação Empresarial e sobretudo aos comerciantes da nossa praça, que, de forma determinada e com visão, poderiam conseguir bons proveitos. Tudo isto, sítios onde existe muita gente boa a trabalhar, claro está, mas a verdade é que estão todos a trabalhar cada um para o seu lado. Se quisermos vender a ideia de que Fafe tem um passado marcante ligado aos brasileiros de torna-viagem e apostar na convicção do Presidente da direcção da Associação Empresarial para quem “Fafe do Brasileiros é uma marca a explorar, uma identidade a assumir e uma oportunidade a não desperdiçar”, este seria o caminho. Só assim, na minha opinião, teríamos possibilidade de levar “o maior evento em Portugal a retratar os finais do seculo XIX”, nas palavras do ainda Presidente da Câmara, a ombrear com outros eventos que, de forma mais ou menos recente, têm conduzido milhares de pessoas às suas terras. Mas esta sim, Diogo Vasconcelos, é a visão de uma cultura comprometida e que verdadeiramente envolve a comunidade, como tu próprio defendes, apesar das contradições do teu texto. Eu não quero viver como há cem anos atrás, mas sei que tenho de saber quem fui para ser melhor e assumido no futuro.





E, para concluir, quanto à ideia surreal de fechar os professores nas escolas (secundárias ou outras), ainda bem que a cultura não é propriedade de ninguém nem de nenhum cargo. Não fosse alguém comprá-la toda e não sobrava nada para os outros.


 Paulo Teixeira






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