Desde menina que sempre me lembro de ter todos os verões um chapéu novo de palha. Ainda me recordo de ver as mulheres a fazer a trança de palha, enquanto caminhavam de um lugar para o outro, aproveitando para fazer recados ou até simplesmente conversar com as vizinhas o que agora se chamaria de “socializar”, ou então nos serões das suas casas, enquanto os seus dedos ágeis entrelaçavam as palheiras, davam azo a grandes conversas, cantorias e gargalhadas, enfim; como se costumava dizer “as mãos não tapavam a boca” pois estavam ocupadas a fazer a trança, daí… dizia-se bem, dizia-se mal, era um ver se te havias… era uma alegria!
No meu lugar vivia uma chapeleira a Sra. “Emília do Caio “que fazia chapéus, desde os mais simples aos mais sofisticados. Os de homem tinham uma aba e uma fita azul, os das mulheres do campo, tinham uma aba larga e eram rematados com a trança de “repenic” e não tinham nenhum adorno, o objectivo destes chapéus, era simplesmente proteger do sol a cara e a cabeça das pessoas que andavam na lida do campo. Para as meninas, haviam de vários tipos, desde o mais simples ao mais sofisticado, aquele que simplesmente tinham uma fita cor-de-rosa, azul, ou vermelha, e outros bordados com fios de lã coloridos, e os mais sofisticados eram os de coco. Estes, eram feitos com uma trança muito fina e toda coberta com ráfia artificial em tons de rosa, vermelho, azul clarinho e amarelo e em vez de uma fita tinham um “galão” onde já predominava o fio de seda juntamente com o fio dourado. Estes eram os meus preferidos e todos os anos eu tinha que ter um de cor diferente.
Também me lembro dos meus irmãos usarem uns bonés feitos em trança de palha fina, que depois eram debruados com uma fita de algodão azul escura, que rematava sobre a pala com uma fivela metálica.
Nesta época, estes chapéus e bonés de palha eram muito úteis tanto para os lavradores que tinham que trabalhar no campo desde o nascer ao pôr-do-sol, como para nós crianças pois tínhamos que ir para a escola e para a catequese a pé, e o caminho era longo, e o sol era muito intenso, o que nos evitou muitas dores de cabeça acreditem!
Por estes e outros motivos, quis saber mais sobre este tipo de artesanato que ainda resiste na nossa terra mais concretamente nas freguesias de Travassós, Vinhós e Vila Cova, embora em menor escala, que com o passar dos tempos, tem-se vindo a extinguir, pois os materiais artificiais têm vindo a substituir os naturais o que é de lamentar…
Recordo que na freguesia de Serafão Freitas e Agrela havia bastantes chapeleiras e mulheres que faziam a trança, hoje já não conheço ninguém dedicado a este tipo de artesanato.
Como apenas consumia e não produzia, quis saber mais sobre os chapéus de palha, isto é, todos os passos desde a sementeira da palha, á sua colheita, preparação e confecção do chapéus.
Conheci a D. Emília Pires, Senhora nascida e criada na freguesia de Vila Cova deste Concelho, e conhecedora nata desta arte a qual se prontificou para me explicar todo o processo da sementeira, da colheita, da cora, do corte, da separação, o nome da palha e o nome dos tipos de trança que se fazia e ainda faz, nestas freguesias do Concelho de Fafe, com as quais se confeccionam os chapéus de palha e outros objectos. Comecei por lhe perguntar o nome próprio da palha usada para os chapéus. A D. Emília respondeu-me prontamente “palha ferrã”; e donde vem esta palha? Perguntei… “Esta palha vem do centeio”; Então a D. Emília Pires foi-me explicando todo o processo da palha ferrã e continuou…
“Esta palha semeia-se pelos “Santos” e no mês de Maio tem que ser cortada mas para isso temos que ter em atenção a transparência da espiga, caso a espiga já esteja opaca, já não vale a pena cortar pois a palha já está dura, já não dá para fazer a trança deixa-se então para centeio.Quando se chega ao mês de Maio, corta-se a palha ferrã, e põe-se à mão cheia a secar estendida no campo ou então em medas, nos alpendres, ou nos cobertos enfim, onde der mais jeito a quem a colhe; a seguir, põe-se a corar da seguinte forma: A palha é estendida no campo e com o orvalho da noite vai corar durante duas a três noites dependendo do orvalho. As melhores noites para se processar esta cora, são as noites de S. João por causa das orvalhadas da época. Deve-se ter cuidado de colocar a palha no campo quando estiver o céu limpo, e de preferência na ausência de vento, pois quando corre vento, não orvalha o que vai prejudicar a cora da palha, esta pode ficar escura e o objectivo é que fique branquinha. Há quem utilize também o “enxofre” para a branquear.
Depois de cortada é posta às faixas ou aos molhos. O passo seguinte é o corte, o qual vai dividir a palha em “adições “que são:A da ponta, a do elo, a de nylon, a de repenic, a peixeira, o trancelim e a de renda. A trança de renda que é feita com 6 palheiras, a trança peixeira é feita com 7 palheiras, a de trancelim é feita com 5 palheiras, a de nylon é feita com 3 palheiras e a de repenic com três.
E ainda se faz trança com 9, 7 e de 11 palheiras. As tranças são feitas sempre em número ímpar com excepção da trança de renda.A palha depois de cortada é demolhada, para ficar maleável para mais facilmente ser trabalhada.
Uma trança para ser completa tem que ter “12 braças” que depois de feitas têm que ser tosquiadas, isto é, tirar-lhe os “tocos” de palha para assim seguirem limpas para as chapeleiras, que posteriormente, irão confeccionar os chapéus”.
Passados alguns dias a D. Emília Pires, sabendo que eu queria obter mais informações sobre a confecção dos chapéus de palha, levou-me a Travassós onde tem familiares que cozem chapéus. A Dona Rosinha Cunha do lugar de Bouças desta mesma Freguesia, senhora já de uma certa idade e com muita experiência nesta arte, começou por me dizer que “antigamente os chapéus eram cozidos à mão, pois não havia máquinas e que ainda se lembrava muito bem como era difícil, deixando-lhe os dedos muito doridos, além dos chapéus não ficarem nada perfeitos.
Mais tarde apareceram as máquinas “Singer e as Oliva” o que as ajudou muito para além de ser mais fácil a confecção dos chapéus, também a obra ficava mais perfeita e fazia-se mais quantidade, dando assim mais rendimento”.
A D. Rosinha é chapeleira de profissão há mais de 55 anos, começou muito nova e desde então nunca mais parou, e diz que tem muita pena em deixar o seu artesanato, não é pelo lucro, pois este não é grande, mas pelo trabalho que a mantém ocupada e entretida, enquanto faz chapéus, o tempo vai passando e nós nem damos por ele passar, conta a D. Rosinha. Quanto ao lucro vai dizendo que não é grande mas sempre vai dando para complementar a reforma que também é pequena, e sempre vai dando para pagar algumas contas tais como, a água, ou a electricidade, e para onde vai este… já não vai outro…e esta senhora enquanto me explicava tudo sobre os seus chapéus, não parava de pedalar na sua velha máquina Singer…
Quando lhe perguntei se este tipo de artesanato ainda tinha muita procura, disse-me que sim, “olhe minha senhora, não sobra nada, quantos faço quantos vendo”… Para onde vão estes chapéus e esta alcofas todas? Perguntei… “Os chapéus vão todos para S.João da Madeira, o senhor que os leva, já está aí a chegar, vem todas as semanas recolher os meus e os das outras chapeleiras”…
Que tipo de chapéus fazem aqui em Travassós?
Fazemos as capelinas, as cartolas, os vasos e os tonicos.
Aqui em Travassós já não bordam os chapéus nem lhe põem as fitas como faziam antigamente?
Não senhora, agora lá em S. João da Madeira, é que tratam deles, daqui vão simplesmente assim em grosso, depois lá, metem-nos numa prensa e enformam-nos e dão-lhes o acabamento que desejam, isto é, devem seguir as tendências da moda, depois são vendidos para todo o país incluindo a Ilha da Madeira, (aqueles chapéus que os turistas tanto gostam de comprar na Ilha da Madeira como recordação, são os chamados” tonicos” e são feitos por nós aqui em Travassós). Mas também exportamos para os Açores e para o Estrangeiro só que em menor quantidade.
Porquê? Não têm saída? Saída têm e muita, mas não temos que chegue para satisfazer os pedidos cá para o nosso País, lá para fora vão muito poucos, se mais houvesse mais saíam, mas quê, cada vez há menos pessoas a dedicar-se a isto…
A senhora disse que aprendeu esta arte com a sua mãe e a sua mãe, com a sua avó, o que quer dizer que este artesanato já vem de outras gerações, vai passando de pais para filhos…
“É verdade, nós já fazemos isto desde muito pequenas, como não tínhamos outro modo de vida, amarramo-nos a isto para ganharmos algum dinheiro para ajudarmos os nossos pais”. Primeiro começamos por aprender a fazer a trança, a tosquia-la e por fim fomo-nos metendo a cozer chapéus, e… cá estou nisto até que Deus queira”…
Por falar em trança, a D. Rosinha acha que a palha que se produz aqui e nos arredores é suficiente para esta produção toda de chapéus?
Não! Às vezes não chega, o senhor de S. João da Madeira já me tem trazido palha que não é da nossa, diz que é de Marrocos.
De Marrocos?
Sim; pois aqui já não há muita gente a dedicar-se à sementeira da palha ferrã, são coisas que dão muito trabalho e pouco lucro, e a nossa juventude não mostra grande interesse por este tipo de coisas, cada vez há menos gente e estou em crer que quando estes velhotes se forem todos, isto vai acabar, o que é pena...
E a D. Rosinha acha que isto pode acontecer? O artesanato que é uma marca da nossa terra, este povo será capaz de o deixar morrer?
“Se quer que lhe diga, não sei, temo muito que sim, mas também já me disseram que com toda esta crise, o povo não tendo melhor, vai voltar novamente para este tipo de coisas, e que ainda pode ser a salvação de muita gente e Deus queira que sim, era bom para todos, assim este artesanato que é tão nosso, continuava vivo, dando a subsistência a muita gente, como tem vindo a dar através dos tempos.
A fazer companhia à D. Rosinha, estava a sua vizinha e amiga D. Lúcia Fernandes senhora de 70 anos e também com muita experiência na arte de “muito bem entrançar a palha” encontrava-se a fazer uma trança com a palha de cor natural e colorida, à qual perguntei se a tal palha vinda de Marrocos era igual á nossa…
Qual quê minha senhora, não tem nada a ver, a nossa é muito melhor, é mais mole e mais fácil de trabalhar. A que vem de Marrocos é mais seca e mais dura, ficamos com os dedos muito doridos.
Esta senhora encontrava-se a fazer uma trança de duas cores, e aproveitando a oportunidade perguntei-lhe como se tingia a palha…e, ela muito prontamente me explicou todo o processo. Se a senhora quer saber, então eu explico-lhe, é assim:
Em primeiro lugar temos que ter uma lata comprida (alta), pomos a água, juntamos sal e vinagre que é para fixar a cor, e depois metemos a tinta da cor que desejamos tingir a palha, que tanto pode ser verde, azul ou vermelha, enfim, depois fazemos uma fogueira e colocamos a lata sobre a têmpera, e deixa-se ferver, mergulhamos a palha mais ou menos 5 minutos, e ela fica tingida até metade, depois, damos-lhe a volta e tingimos do outro lado e deixamos estar mais 5 minutos, ficando a “molha” toda tingida por exemplo de verde. Quanto ao tempo, depende da quantidade de tinta que pusermos na lata, se pusermos bastante tinta demora menos tempo, se pusermos pouca tinta demora mais.
Hoje em dia vê-se muitos chapéus feitos com palha colorida…qual o nome desta tinta?
Creio que são “anilinas”, mas não tenho a certeza, sei que as compramos numa drogaria em Fafe.É muito difícil cozer um chapéu?
Para nós que estamos habituadas não, mas para quem não está habituado, pode parecer um bocadinho complicado, mas não é; eu passo a explicar…
Então a D. Lúcia explicou todo o processo da confecção de chapéus e disse que tudo depende do tipo de chapéu que se pretende fazer, por exemplo se quiser fazer um” tonico” (os da Madeira), começa-se ao comprido, pega-se na trança e coze-se no sentido do comprimento, se for um”coco”, o sentido é redondo, vai-se cozendo com linha de algodão que pode ser o nº 30 ou 40 conforme o tipo da palha, vai-se cozendo dando voltas, formando assim a copa, depois dobra-se a pontinha, logo de seguida e com a ajuda do mascote, bate-se no fundo da copa, para ela ficar bem planinha, vira-se o chapéu de lado e inicia-se a cozedura da aba dando várias voltas dependendo do tipo de chapéu.
Sobre a máquina encontrava-se uma “forma de pau”, e, eu perguntei se não a usavam, a D. Lúcia disse que sim, mas só a usavam quando coziam chapéus de cartola.
E… enquanto a D. Lúcia fazia a trança, ia conversando com a sua vizinha a D. Rosinha, que ao mesmo tempo que cozia o chapéu, me demonstrava todos os passos da confecção do chapéu de palha de Travassós.
Aqui deixo expresso todo o meu agradecimento a estas três senhoras que se prontificaram para me explicar como é que da palha ferrã, se faz o chapéu de palha, e outros artefactos, tão conhecidos no nosso País e no Estrangeiro. É caso para dizer… De Travassós para o Mundo!
Maria Soledade Henriques Vaz
ATRIUMEMORIA
6 comentários:
Fiquei muito sensibilizada pelo bom trabalho efectuado. É uma boa forma do artesanato da nossa terra ser bem divulgado.
Parabéns!
Elsa Teixeira
fazem encomendas? ando louca por uma chapéu de palha. e se puder ser feito por essas ágeis senhoras, melhor :D
por favor envie resposta para saraa.ms@hotmail.com
Gostava de saber, se fazem chapéus de palha em miniatura? Se sim, qual o valor. Muito obrigada.
Susana Moreira
Necessitava de adquirir varios chapéus de palha. Agradeço Contacto. Obrigado, Luis Oliveira
Necessito de adquirir chapéus de palha. Agradeço contacto. Obrigado, Luis Oliveira
Travassós Fafe é uma página dedicada a freguesia de Travassós e poderão também obter informações sobre o artesanato!
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