3 de fevereiro de 2011

OS ÚLTIMOS ARTESÃOS DO FERRO



Armando e João, ainda crianças, aprenderam a arte de trabalhar o Ferro. Um trabalho duro, cada vez menos rentável, que eles não querem abandonar, mantendo a única oficina de ferreiros do concelho de Fafe.

A origem destes artesãos tem raízes profundas; o seu bisavô já era ferreiro, transmitindo a profissão ao seu filho Zeferino Alves Teixeira, nascido em 1909, na freguesia de Regilde, Felgueiras e que mais tarde veio de Santo Adrião de Vizela para Cepães. Zeferino teve dois filhos que deram continuidade à esta actividade, numa oficina que existiu no lugar de S. Tiago, freguesia de Cepães. Os irmãos separaram-se e o pai de João e Armando, António Leite Teixeira, montou a sua própria oficina, há cerca de quarenta anos, perto a Capela Secular de Nossa Senhora de Guadalupe.
Foi ali que criou os filhos Armando e João, que desde tenra idade ajudavam o seu pai, dividindo o tempo entre a escola e a oficina, onde aprenderam os segredos do ofício de ferreiro.


“No tempo do nosso pai a vida era ainda mais dura, havia mais trabalho e as ferramentas eram colocadas em sacos de serapilheira, para seguirem, nas carreiras, com destino às feiras de Fafe e Póvoa de Lanhoso… o nosso bisavô, acompanhado da sua mulher, carregava as peças às costas, percorrendo vários quilómetros a pé, para vender as ferramentas”, frisou Armando.
Após o desaparecimento do pai, Armando e João, continuam o mister de dar forma e utilidade prática ao ferro e ao aço, matéria-prima que adquirem sobretudo em sucatas.


A oficina tem pouco mais de 20 m2. É lá que estes artífices passam grande parte do seu tempo, trabalhando com ardor numa laboração perigosa e por isso protegidos por uma antiga e enegrecida imagem de Nossa Senhora. Do outro lado da forja e da grande bigorna existe um outro espaço, mais “descontraído”, onde não faltam os calendários de mulheres seminuas, como que a fazer esquecer as amarguras de uma vida tantas vezes ingrata.
O ferro é incandescido na forja, sobre carvão de pedra de origem inglesa, “mais caro que o petróleo” exclamaram os ferreiros em uníssono.
Na bigorna, de origem francesa, o ferro incandescente começa a tomar forma, através de fortes “malhas” impulsionadas pelos pulsos robustecidos dos artesãos. Seguidamente, utilizando as tenazes, as peças já moldadas entram rapidamente na dorna para a têmpera na água fria, estabilizada com “um produto”. Esta é uma fase muito delicada, que acaba por ser decisiva para a qualidade do produto final. Por último faz-se o acabamento dos artefactos: afiar e picar as foucinhas, trabalho minucioso feito sobre um osso de boi, percutindo destras pancadas no pequeno e cortante cinzel.
A oficina produz: foices, foucinhões, machados, foucinhas, sachos, sacholas, cunhas para rachar a lenha e outras ferramentas por encomenda, ao gosto e necessidade do cliente.
“O negócio já rendeu mais, agora são muito menos os que trabalham a terra e as ferramentas têm menos procura… isto vai dando para a sopa”, desabafou João. Apesar das dificuldades, os irmãos continuam, unidos, o seu árduo mester na oficina, tentando negociar as ferramentas nas feiras de Fafe e Póvoa de Lanhoso, em estabelecimentos de ferragens locais, em Guimarães, Braga e ultimamente no mercado de Vizela. Tentam também, conseguir um posto de venda na feira de Guimarães, cidade que os tem chamado, nos últimos anos, para participarem na “Feira Medieval”, organizada pelo Município da “Cidade Berço” na Praça de Santiago. Uma iniciativa que estes ferreiros não querem perder de vista.
“Somos muito bem recebidos nesta feira e enquanto for possível vamos participar”, afirmaram.



João com 45 anos de idade e Armando um pouco mais velho, já com muitos anos a “malhar no ferro”, acham-se com disposição de continuarem a arte de ferreiros. Questionados sobre o futuro da oficina, Armando confessou ter alguma esperança no seu filho André de 14 anos, estudante, que nos seus tempos livres gosta de ajudar o pai e o tio nas lides do ferro. Apesar disso, Armando fica algo confuso, mas confessa que, de certa forma gostava de ver o seu filho como prossecutor da actividade.
Seja como for, o futuro é sempre uma incógnita, que só alguns sabem prever…
A realidade conta-nos uma história de dois homens resistentes às vicissitudes do tempo actual, mestres de um ofício em vias de extinção, herdeiros de um conhecimento ancestral dos primórdios da metalurgia do ferro no noroeste português, há cerca de 3.000 anos.
A oficina de ferreiros “Os dois Irmãos”, na travessa de Palhais em Cepães, continuará a transformar o ferro em ferramentas com o inconfundível cunho “AA”, (Armando Alves), símbolo de orgulho dos últimos ferreiros de Fafe.


CULTURA

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