Imagem da Senhora de Guadalupe de Cepães |
«De norte a sul, de
leste a oeste, um povo dominado pelo terror da fome, com o rosto desmaiado,
cabelo hirto, olhar esgazeado e estômago vazio, trôpego, andrajoso,
arrastando-se a custo, vae aos templos pedir ao Deus de misericórdia e de
bondade a chuva que Ele nega á terra para a fecundar…»
…«O povo pede chuva
para que a terra produza e o governo d’uma monarchia prestes a desabar pede
mais impostos para que a barriga lhe cresça…»
O ano de 1896 foi particularmente seco em Fafe. O povo,
desesperado, viu ameaçadas as suas culturas.
Em quinta-feira, 30 de Abril de 1896, a imagem da Senhora de
Guadalupe, protectora da agricultura e controladora de tempestades, saiu em
procissão da sua capela de Cepães em direcção à Igreja Matriz da Vila de Fafe.
«Que ella interceda
junto de Deus, para que a chuva de que tanto carece a agricultura nos venha
livrar do anno de fome que se avizinha apressadamente de nós todos, infelizes e
escarnecidos portugueses, governados por uma monarchia que nos perde
irremediavelmente!...»
Na quarta-feira anterior à saída da procissão o tempo mostrou-se
nublado e fresco sem que, contudo, chovesse.
![]() |
Vista da Igreja Matriz de Fafe em inicio do século XX |
Após permanecer vinte e quatro dias na Igreja Matriz da Vila,
a imagem da Virgem Guadalupe regressou ao seu templo de Cepães, em domingo, 24
de Maio.
Foi organizada nova procissão, precedida de uma missa cantada
«a grande instrumental pela capela do
snr. Maia e sermão, sendo orador o snr. Abbade de Golães, que agradou a todo o
auditório.
Alem de muitas outras
prendas que foram oferecidas á Virgem, registraremos as seguintes: Um cordão
d’oiro oferecido pelo abastado capitalista snr. João Teixeira de Barros; a
pintura da charola mandada fazer pela ex.ma snr.ª D. Maria Pereira de Menezes
Franco; e uma outra simplesmente pela sua curiosidade, de alguns cachos d’uvas
maduras, do quintal do snr. Francisco José de bastos, que foram expostos na
charola.»
![]() |
Capela de Nossa Senhora de Guadalupe em Cepães |
Durante todo o tempo que a imagem esteve na Matriz de Fafe
não há notícia que houvesse precipitação relevante.
«Continua a estiagem.
Na quinta-feira choveu alguma coisa, caindo na terça algumas pingas, á espécie
de chuva de trovoada. O vento forte e continuo tem destruído os vinhedos que
apresentam uma boa nascença. Os centeios estão fracos, devido á estiagem, e as
sementeiras do milho tem-se feito, mas na maior parte não nascem… Que Deus nos
proteja.»
Só um dia depois de a
Senhora regressar a sua casa, em terça-feira, 26 de Maio, a imprensa local da
época dá notícia de uma forte trovoada:
«…
por espaço de duas horas uma chuva torrencial, que em breve fez crescer os rios
que pouca água levavam, a ponto de em partes cobrirem os campos que lhes
ficavam nas margens, Em partes caiu pedra, e as faíscas que se sucediam
momentaneamente despedaçaram árvores… A chuva, porem, tem continuado
copiosamente, o que para a agricultura é uma grande cousa.»
O Verão de 1896 trouxe alguma chuva, principalmente trovoadas
que não provocaram danos maiores na produção agrícola anteriormente ameaçada.
Em finais do mês de Agosto os vinhedos estavam amadurecidos e prontos a colher,
em "quantidade e qualidade".
«O tempo melhorou
consideravelmente.
Os agricultores aproveitando-se
d’estes lindos dias de sol tratam activamente de fazer as suas colheitas.
A das uvas vae muito
adiantada e a do milho principia a fazer-se, principalmente aonde os milheiraes
estão mais adiantados».
![]() |
Altar da Capela de Nossa Senhora de Guadalupe em Cepães |
Em ano que se temeu calamitoso para a produção agrícola,
prenunciando miséria, acabou por ser um ano produtivo para gáudio de um povo
sequioso, apegado a uma fé inabalável, crente na intercessão da Virgem
protectora da agricultura, que tem o seu trono na bonita capela de Guadalupe em
Cepães, concedendo-lhes um ano farto do pão e do vinho do seu sustento.
FONTE: jornal “O Desforço”, 1896
Sem comentários:
Enviar um comentário