8 de abril de 2020

A PÁSCOA FAFENSE NA ALDEIA UM APONTAMENTO COM 110 ANOS


Desenho publicado na "Illustração Portuguesa", 1904
(Apenas para ilustrar)


«A PASCHOA NA ALDEIA

Domingo de Paschoa! Que tropel de recordações suavíssimas não desperta este dia a quem, no meio d’innocentes folguedos, sentiu correrem-lhe no campo os dias da meninice!
Ainda hoje me encanta os ouvidos, coando-me n’alma uma alegria bem doce a toada festival dos sinos «repicando a alleluia»!
E que coração tão de gelo ou tão requeimado pelo tufão da desdita, ao qual não causem grato estremecimento, as vozes amigas do campanário d’aldeia?...
Se ha ahi algem que fique impassível, não são por certo os pequenos camponezes; pois já desde as vesperas  esfervilhão, riem e saltam ao lembrarem-se que breve irão beijar a mão da madrinha, recebendo a bênção e o appetecido folar.
E ella – a madrinha em pé na soleira da porta, ao vel-os partir tão contentes, agitando no ar as pequenas «regueifas», sentem irradiar-lhe do coração ao rosto um reflexo de serena alegria, adejando-lhe aos lábios um sorriso que parece dizer : - Pobres creanças! São curtos os vossos desejos, é facil a vossa felicidade!

Mas neste dia abençoado nem só os pequenos se alvoroçam. Na aldeia é tudo azáfama. Especialmente nas raparigas, que actividade!
Umas espanam os moveis e as paredes; outras tapetam de rosmaninho e rosas desfolhadas o pavimento da casa; estas põem toda a sua sciencia e cuidado em armar a meza do estylo que já se acha coberta de toalha alvíssima circundada de bellas florinhas do monte, sobresahindo ao centro um pomo coroado por uma moeda ou por um lindo ramalhete (e neste quanto esmero! Pois é de costume ser offerecido ao senhor abbade, que nunca deixa de mostral-o aos circunstantes, elogiando o aprimorado da obra;) aquelles, emfim, andam n’um rodopio procurando no quintal flores, para formarem ramos.
A contrastar com tanto movimento lá está um velho de cans veneráveis, levemente encrespadas pela aragem, sentado no trono d’um carvalho, a meditar… (quem sabe?...) talvez nas paschoas do seu tempo…

Mas eis que o sino repica.
Como por encanto cessa um momento todo o bolicio.
E’ o  «Compasso» que sahe.
Tudo corre ao montículo mais proximo.
- Elles lá vêem, lá vem o «Compasso»! – exclamam, todas as vozes: desçamos, desçamos, que não tardam ahi comnosco.
N’um instante eil-os em casa. E toda a pressa foi necessária; pois já se ouve bem distincto o som da campainha.

Chegou.
Que luzida comitiva!
Que rostos tão alegres! N’estes dias! Não lembram questiúnculas, nem falam resentimentos; todos se dão as mãos, todos se abraçam: assim o quer o velho pastor, que os segue, santo homem que traz no coração impresso o Evangelho e no semblante estampado o coração.
Deixemol-os entrar e fiquemos nós cá fora de baixo d’uma ramada, a escutar aquella especie de quasi balbúrdia que lá vae dentro.
Quem nos attenderia?... Resignemo-nos a perder o copo de vinho genuíno e a fatia de «pão de ló» a que em taes acasiões ninguem póde esquivar-se, e ouçamos.
Que animação!...

Estes pedem ramos, aquelles, folares; agora e a dona da casa a recomendar ao bom do parocho que deite muita agua benta nas raparigas, e logo são estas que seescondem rindo!
Este arrasta uma cadeira, aquelle deita para a cesta alguns ovos que estão na meza destinados ao Pastor, este ri, aquella zombeteia; e o santo parocho para todos fala, a todos anima, a todos dá o exemplo d’uma jovialidade inoffensiva.
E tão entretidos estão que quasi se esqueceram de que a parochia não finda alli.
Enfim meus senhores, é forçoso sahir; outros vos esperam anciosos, os ricos nas suas salas, os pobres nos seus casebres,
Ide, ide! A todos as boas-festas, a bênção a todas as casas!...»

Transcrição do jornal ‘O Jornal de Fafe’, 1910
Autor desconhecido

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