21 de setembro de 2019

SENHORA DE GUADALUPE SAIU EM PROCISSÃO PARA CHAMAR A CHUVA

Imagem da Senhora de Guadalupe de Cepães


«De norte a sul, de leste a oeste, um povo dominado pelo terror da fome, com o rosto desmaiado, cabelo hirto, olhar esgazeado e estômago vazio, trôpego, andrajoso, arrastando-se a custo, vae aos templos pedir ao Deus de misericórdia e de bondade a chuva que Ele nega á terra para a fecundar…»
…«O povo pede chuva para que a terra produza e o governo d’uma monarchia prestes a desabar pede mais impostos para que a barriga lhe cresça…»

O ano de 1896 foi particularmente seco em Fafe. O povo, desesperado, viu ameaçadas as suas culturas.

Em quinta-feira, 30 de Abril de 1896, a imagem da Senhora de Guadalupe, protectora da agricultura e controladora de tempestades, saiu em procissão da sua capela de Cepães em direcção à Igreja Matriz da Vila de Fafe.

«Que ella interceda junto de Deus, para que a chuva de que tanto carece a agricultura nos venha livrar do anno de fome que se avizinha apressadamente de nós todos, infelizes e escarnecidos portugueses, governados por uma monarchia que nos perde irremediavelmente!...»

Na quarta-feira anterior à saída da procissão o tempo mostrou-se nublado e fresco sem que, contudo, chovesse.

Vista da Igreja Matriz de Fafe em inicio do século XX

Após permanecer vinte e quatro dias na Igreja Matriz da Vila, a imagem da Virgem Guadalupe regressou ao seu templo de Cepães, em domingo, 24 de Maio.
Foi organizada nova procissão, precedida de uma missa cantada «a grande instrumental pela capela do snr. Maia e sermão, sendo orador o snr. Abbade de Golães, que agradou a todo o auditório.
Alem de muitas outras prendas que foram oferecidas á Virgem, registraremos as seguintes: Um cordão d’oiro oferecido pelo abastado capitalista snr. João Teixeira de Barros; a pintura da charola mandada fazer pela ex.ma snr.ª D. Maria Pereira de Menezes Franco; e uma outra simplesmente pela sua curiosidade, de alguns cachos d’uvas maduras, do quintal do snr. Francisco José de bastos, que foram expostos na charola.»



Capela de Nossa Senhora de Guadalupe em Cepães

 A procissão rumou a Cepães e a imagem da Senhora de Guadalupe retomou o seu trono na pequena capela, datada de 1698, altura em que teria começado o culto da Vigem de Guadalupe em terras do Couto de São Mamede de Cepães.
Durante todo o tempo que a imagem esteve na Matriz de Fafe não há notícia que houvesse precipitação relevante.

«Continua a estiagem. Na quinta-feira choveu alguma coisa, caindo na terça algumas pingas, á espécie de chuva de trovoada. O vento forte e continuo tem destruído os vinhedos que apresentam uma boa nascença. Os centeios estão fracos, devido á estiagem, e as sementeiras do milho tem-se feito, mas na maior parte não nascem… Que Deus nos proteja.»

 Só um dia depois de a Senhora regressar a sua casa, em terça-feira, 26 de Maio, a imprensa local da época dá notícia de uma forte trovoada:

«… por espaço de duas horas uma chuva torrencial, que em breve fez crescer os rios que pouca água levavam, a ponto de em partes cobrirem os campos que lhes ficavam nas margens, Em partes caiu pedra, e as faíscas que se sucediam momentaneamente despedaçaram árvores… A chuva, porem, tem continuado copiosamente, o que para a agricultura é uma grande cousa.»

O Verão de 1896 trouxe alguma chuva, principalmente trovoadas que não provocaram danos maiores na produção agrícola anteriormente ameaçada. Em finais do mês de Agosto os vinhedos estavam amadurecidos e prontos a colher, em "quantidade e qualidade".

«O tempo melhorou consideravelmente.
Os agricultores aproveitando-se d’estes lindos dias de sol tratam activamente de fazer as suas colheitas.
A das uvas vae muito adiantada e a do milho principia a fazer-se, principalmente aonde os milheiraes estão mais adiantados».

Altar da Capela de Nossa Senhora de Guadalupe em Cepães

Em ano que se temeu calamitoso para a produção agrícola, prenunciando miséria, acabou por ser um ano produtivo para gáudio de um povo sequioso, apegado a uma fé inabalável, crente na intercessão da Virgem protectora da agricultura, que tem o seu trono na bonita capela de Guadalupe em Cepães, concedendo-lhes um ano farto do pão e do vinho do seu sustento.

FONTE: jornal “O Desforço”, 1896

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